quinta-feira, 22 de março de 2012

Um falso "Manifesto", mas qual o seu real sentido?

Perdi a conta de quantas vezes me foi encaminhado o "manifesto" que reproduzo abaixo:

Peço a cada destinatário para encaminhar este e-mail a um mínimo de vinte pessoas de sua lista de endereços e, por sua vez, pedir que cada um deles faça o mesmo.
Em três dias a maioria das pessoas no Brasil terá esta mensagem. Esta é uma idéia que realmente deve ser considerada e repassada para o Povo.
Lei de Reforma do Congresso de 2012 (emenda da Constituição do Brasil):

  1. O congressista receberá salário somente durante o mandato. E não terá direito à aposentadoria diferenciada em decorrência do mandato.
  2. O Congresso contribui para o INSS. Todo o fundo (passado, presente e futuro) atual no fundo de aposentadoria do Congresso passará para o regime do INSS imediatamente. O Congressista participa dos benefícios dentro do regime do INSS exatamente como todos os outros brasileiros. O fundo de aposentadoria não pode ser usado para qualquer outra finalidade.
  3. O congressista deve pagar para seu plano de aposentadoria, assim como todos os brasileiros.
  4. O Congresso deixa de votar seu próprio aumento de salário, que será objeto de plebiscito.
  5. O congressista perde seu seguro atual de saúde e participa do mesmo sistema de saúde como o povo brasileiro.
  6. O congressista está sujeito às mesmas leis que o povo brasileiro.
  7. Servir no Congresso é uma honra, não uma carreira. Parlamentares devem servir os seus termos (não mais de 2), depois ir para casa e procurar emprego. Ex-congressista não pode ser um lobista.
  8. Todos os votos serão obrigatoriamente abertos, permitindo que os eleitores fiscalizem o real desempenho dos congressistas.
Se cada pessoa repassar esta mensagem para um mínimo de vinte pessoas, em três dias a maioria das pessoas no Brasil receberá esta mensagem.
A hora para esta emenda na Constituição é AGORA.
É ASSIM QUE VOCÊ PODE CONSERTAR O CONGRESSO. Se você concorda com o exposto, REPASSE, se não, basta apagar.
Você é um dos meus + 20. Por favor, mantenha esta mensagem CIRCULANDO!
"A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria." - Paulo Freire
Nas primeiras vezes que o recebi, simplesmente fiz o que o texto sugere ao seu final, e apaguei tamanho amontoado de tolices. Depois de algumas vezes que o apaguei, concluí que não bastava fazer a minha parte. Comecei a devolver às pessoas que o enviavam a mim com a resposta abaixo:
Eu já recebi inúmeras vezes esta mensagem. Me recuso a repassá-la adiante.
Não porque eu não ache que seja preciso mudar as coisas no Brasil. Mas por ser uma mensagem absolutamente inútil.
Primeiro, mesmo que todos os brasileiros a recebam, isto não faz dela um projeto de iniciativa popular. Existem regras para a apresentação de projetos de iniciativa popular. E este e-mail não as cumpre.
Segundo, um projeto de emenda constitucional deveria ser feito com o texto adequado a uma lei, e não apenas um amontoado de sugestões, boa parte sem ligações reais entre elas.
Terceiro, boa parte dos brasileiros possui plano de saúde adicional ao serviço público. E, destes, muitos pagos, total ou parcialmente, pelas empresas. Devemos, sim, lutar por melhores condições de saúde. Mas de maneira realista e coerente.
Quarto, concordo que os congressistas não deveriam ter o poder de aumentar os próprios salários, muito menos o de criarem novas verbas. Mas, plebiscito? Duvido que o autor desta pérola tenha a menor ideia dos custos do plebiscito. Seguramente não valeria a pena.
Limitar mandatos consecutivos, obrigatoriedade do voto aberto, concordo. Mas fazendo a proposta corretamente.
No dia que eu vir projetos de emenda constitucional (sim, mais de um, na verdade) corretamente elaborados para tratar destes assuntos, assinarei e divulgarei. Mas não repasso esta tolice.
A propósito, não se sinta mal. Esta é uma resposta-padrão, que tenho mandado a todos que me enviam esta proposta. Absolutamente nada pessoal com você.
Enio
Para mim, fica bem claro que, da mesma forma que os antigos e-mails sobre a garotinha com câncer, ou o novo e terrível vírus, a distribuição de celulares, a mamografia gratuita e tantas outras. Por mais que existam diversos sites na rede que denunciam estas falsas mensagens, as pessoas parecem não aprender. Mudou um pouquinho de nada a mensagem, e lá estão todos a retransmitindo, novamente. Infelizmente, demonstra-se muitas vezes que basta "mudar a cor do capim", e lá estão as mesmas mensagens sendo repassadas.
Não consigo compreender a razão que impede as pessoas de perderem cinco míseros minutos para tentarem saber a origem do que estão repassando. Ou a veracidade da informação. Por favor, você que me lê, antes de sair repassando algum e-mail, faça uma rápida consulta a sites como o Quatro Cantos, ou o E-Farsas, entre outros. Isto para não pedir que se faça uma pesquisa mais completa, como ligar para telefones indicados, ou entrar na página do órgão informado, por exemplo.
Reconhecer um e-mail de boato, na maioria das vezes, é fácil. Algumas "regras" geralmente estão presentes:
  • Trechos do texto em letras maiúsculas, para chamar a atenção;
  • Assunto polêmico ou capaz de causar indignação para a maioria das pessoas;
  • Informações vagas e imprecisas;
  • Falta de identificação do autor;
  • Pedido para que todos repassem o máximo possível.

Infelizmente, é muito mais fácil para o leitor apenas repassar um e-mail do que tentar tomar alguma atitude mais participativa. O simples ato de repassar um e-mail não colabora em nada com o fim de situações como esta.
Lutas reais não faltam. É raro o dia que não recebo um e-mail do Avaaz, defendendo alguma causa real. Tem muitas outras ONGs e movimentos reais dos quais se pode participar, como SOS Mata Atlântica, Movimento Gota D'Água, Movimento pela Reabertura e Tombamento do Cine Belas Artes, e tantos outros. Independente de orientação política e/ou partidária, é possível encontrar movimentos e causas para se engajar. Reais. Válidos. Sem precisar divulgar boatos.

terça-feira, 20 de março de 2012

Sobre a Folha de São Paulo e a automedicação

Enviei hoje o seguinte comentário ao blog "Conversa Afiada", do Paulo Henrique Amorim, que tenho acompanhado regularmente:


Hoje a Folha, através de um de seus colunistas, Hélio Schwartsman, publica um texto denominado “Viva a automedicação“, uma ode em defesa dos interesses da indústria farmacêutica ao mesmo tempo em que, de maneira quase sutil, critica algumas corajosas medidas tomadas pela ANVISA nos últimos anos. Cito abaixo algumas de suas pérolas:
“… Foi o que ocorreu com a automedicação, que, de uns anos para cá, se viu transformada em inimiga da saúde pública, inspirando uma série de decisões da Anvisa … Só o que não faz sentido é demonizar a automedicação… A OMS, por exemplo, a descreve como “necessária” e com função complementar a todo sistema de saúde.
De fato, a última coisa de que o SUS precisa é agregar às filas dos serviços médicos todos os portadores de quadros virais menores e dores de cabeça do país. A esmagadora maioria das moléstias que acometem a humanidade passa sozinha, não exigindo mais do que o alívio dos sintomas…”
Em paralelo, na seção “Mercado Aberto”, Maria Cristina Frias diz que “Sem tratamento, gasto com remédio pode subir 481%“.
Sou favorável às ações tomadas pela ANVISA no sentido de moralizar a venda de medicamentos no país, apoiada, também, pelo Conselho Federal de Farmácia, e consonante com o que se faz em muitos outros países. Claro, não resolvem os problemas da saúde pública. Mas são um primeiro passo no sentido da moralização do setor. Lamentável esta posição da Folha.

Não me preocupei em falar dos riscos da automedicação e do livre acesso aos medicamentos. Por limitação de espaço (e, mesmo assim, não sei se o comentário, por ser mais longo que o normalmente aceito, será publicado), e por considerar que não seria, aquele, o fórum adequado para tratar do assunto. Aqui, neste meu espaço, posso discorrer mais livremente a respeito.


Não citei, no comentário, trechos do artigo de Maria Cristina Frias. Cito-os aqui:

"Os gastos com remédios para tratar doenças crônicas acumuladas podem subir 481% se o paciente não fizer tratamento adequado.
O efeito, que pode impactar os resultados de planos e operadoras de saúde ...
A comparação é feita entre um doente crônico que possui apenas uma enfermidade e aquele que acumula outras pela falta de tratamento ...
'Esse é um assunto que o setor tem estudado muito, mas há pouca conclusão. A pressão sobre os planos de saúde de fato se reduz com o tratamento adequado. Isso gera queda em gastos com internação e entradas em pronto-socorro'..."


A conjunção dos dois artigos, para mim, demonstra uma lógica perigosa: devemos deixar as pessoas se automedicarem, o que vai diminuir as filas e custos com o SUS, ao mesmo tempo que diminui os custos dos planos de saúde. Apenas a "lógica de mercado", sem levar em conta, minimamente, a real questão de saúde pública. Sem levar em conta que o uso de medicamentos sem a adequada orientação pode causar problemas ainda piores do que os que se procura evitar. Sem sequer citar a necessidade de um amplo debate sobre o assunto, do qual pudesse sair clara e fortalecida a posição da ANVISA. Ou que, mesmo prevalecendo apenas a lógica do lucro para a indústria farmacêutica e para os planos de saúde, para nos restringirmos aos agentes diretamente citados nos artigos (Alguém acredita em repasse desses lucros à sociedade?), que ficasse claro que o desejo por esta lógica é realmente o desejo da sociedade.