segunda-feira, 20 de maio de 2013

Pudim



Ninguém sabia praticamente nada sobre ele. E, se alguém tentasse perguntar algo, a resposta seria simplesmente um insulto. Assim, era apenas “o Pudim”. O apelido, sua única identidade.

Figura conhecida naquela pequena cidade. Um tanto demente, na maioria das vezes tranquilo, sempre a sobreviver de pequenos bicos, como entregar folhetos, pequenos furtos e a solidariedade alheia. Não necessariamente nesta ordem.

Nunca soube se se drogava ou não. Beber, bebia, se conseguisse alguma coisa. Mas algumas vezes, podia ser encontrado nas ruas, em um torpor maior do que o que seria esperado apenas pelo álcool.

Era a diversão dos moleques e adolescentes em idade escolar, fosse por ser usado para levar pequenos recados sem sentido, fosse quando o provocavam com perguntas sobre a sua vida, algumas vezes até um estado de bastante irritação. Mesmo assim, ele se prestava a essa diversão, na maioria das vezes. Algumas vezes, depois de xingar e insultar, tendo como único resultado aumentar as provocações, Pudim se afastava. Apenas uma única vez me lembro de o ter visto ameaçar alguns garotos com um pedaço de pau.

Em outra ocasião, a provocação custou caro aos provocadores.

Era manhã de Corpus Christie. Como todos os anos, o trajeto da procissão foi dividido entre as escolas da cidade, cada uma responsável por fazer um quarteirão do “tapete” decorado, por onde passaria o padre. Acredito que aquela era a maior competição que havia na cidade. Geralmente as turmas se revezavam e viravam a noite, colocando centenas de quilos de bagaço de cana tingido, pó de café, areia, cal, folhas, em arranjos cuidadosos, colorindo o asfalto com o material, na forma de belas imagens. Mesmo as pessoas que não acompanhavam a procissão procuravam ir, ao longo da tarde, ver aquelas efêmeras obras de arte.

Pudim sempre circulava por ali, enquanto as equipes montavam a decoração, na esperança de conseguir um gole das bebidas que, apesar da suposta vigilância de professores para evitar que acontecesse (e, algumas vezes, com a participação velada deles), eram levadas meio escondidas para o local, para ajudar o pessoal a esquecer do frio da noite de junho.

Naquela manhã, na rua que passava entre a praça da igreja matriz e o cinema, Pudim já estava meio bêbado, e com menos paciência para suportar as provocações, e as eternas perguntas sobre sua vida, seu nome e seu passado. Quando se cansou delas, ao invés de simplesmente se afastar, como sempre fazia, correu pelo centro do tapete, do ponto onde estava sendo terminado em direção à extremidade já pronta, estragando bastante o desenho. Tentaram arrumar o melhor possível, mas não adiantou. A escola acabou por perder pontos importantes na disputa pela melhor decoração.

Foi a última história do Pudim da qual tive conhecimento. Algum tempo depois, acredito que no mesmo ano, ouvi o comentário de que ele fora encontrado morto. Nunca soube a causa da morte, assim como nunca soube onde vivera, e o que teria acontecido em sua vida. Para mim, como para muitas pessoas da cidade, na época, sua morte, assim como a sua vida, permaneceu uma eterna incógnita.

A vida me levou para longe da cidade, e poucas vezes voltei a ela. Sei que a cidade mudou. Sei que cresceu. Mas creio que nunca mais teve um outro “Pudim” entre seus habitantes.