Ninguém sabia praticamente nada
sobre ele. E, se alguém tentasse perguntar algo, a resposta seria simplesmente
um insulto. Assim, era apenas “o Pudim”. O apelido, sua única identidade.
Figura conhecida naquela pequena
cidade. Um tanto demente, na maioria das vezes tranquilo, sempre a sobreviver
de pequenos bicos, como entregar folhetos, pequenos furtos e a solidariedade
alheia. Não necessariamente nesta ordem.
Nunca soube se se drogava ou não.
Beber, bebia, se conseguisse alguma coisa. Mas algumas vezes, podia ser
encontrado nas ruas, em um torpor maior do que o que seria esperado apenas pelo
álcool.
Era a diversão dos moleques e
adolescentes em idade escolar, fosse por ser usado para levar pequenos recados
sem sentido, fosse quando o provocavam com perguntas sobre a sua vida, algumas
vezes até um estado de bastante irritação. Mesmo assim, ele se prestava a essa
diversão, na maioria das vezes. Algumas vezes, depois de xingar e insultar,
tendo como único resultado aumentar as provocações, Pudim se afastava. Apenas
uma única vez me lembro de o ter visto ameaçar alguns garotos com um pedaço de
pau.
Em outra ocasião, a provocação
custou caro aos provocadores.
Era manhã de Corpus Christie. Como todos os anos, o trajeto da procissão foi
dividido entre as escolas da cidade, cada uma responsável por fazer um
quarteirão do “tapete” decorado, por onde passaria o padre. Acredito que aquela
era a maior competição que havia na cidade. Geralmente as turmas se revezavam e
viravam a noite, colocando centenas de quilos de bagaço de cana tingido, pó de
café, areia, cal, folhas, em arranjos cuidadosos, colorindo o asfalto com o
material, na forma de belas imagens. Mesmo as pessoas que não acompanhavam a procissão
procuravam ir, ao longo da tarde, ver aquelas efêmeras obras de arte.
Pudim sempre circulava por ali,
enquanto as equipes montavam a decoração, na esperança de conseguir um gole das
bebidas que, apesar da suposta vigilância de professores para evitar que
acontecesse (e, algumas vezes, com a participação velada deles), eram levadas
meio escondidas para o local, para ajudar o pessoal a esquecer do frio da noite
de junho.
Naquela manhã, na rua que passava
entre a praça da igreja matriz e o cinema, Pudim já estava meio bêbado, e com
menos paciência para suportar as provocações, e as eternas perguntas sobre sua
vida, seu nome e seu passado. Quando se cansou delas, ao invés de simplesmente
se afastar, como sempre fazia, correu pelo centro do tapete, do ponto onde
estava sendo terminado em direção à extremidade já pronta, estragando bastante
o desenho. Tentaram arrumar o melhor possível, mas não adiantou. A escola
acabou por perder pontos importantes na disputa pela melhor decoração.
Foi a última história do Pudim da qual tive conhecimento. Algum tempo depois, acredito que no mesmo ano, ouvi
o comentário de que ele fora encontrado morto. Nunca soube a causa da morte,
assim como nunca soube onde vivera, e o que teria acontecido em sua vida. Para
mim, como para muitas pessoas da cidade, na época, sua morte, assim como a sua
vida, permaneceu uma eterna incógnita.
A vida me levou para longe da
cidade, e poucas vezes voltei a ela. Sei que a cidade mudou. Sei que cresceu.
Mas creio que nunca mais teve um outro “Pudim” entre seus habitantes.