Estava ontem no supermercado, aguardando o momento de pagar as minhas compras quando percebi uma cena, logo atrás de mim, que me chamou a atenção:
Em um casal de amigos, a moça esforçava-se para somar de cabeça três ou quatro itens que havia pego, para saber se tinha dinheiro suficiente para pagá-los. Depois de algum tempo, desistiu, e comentou ao rapaz que estava com ela que "sempre teve dificuldades com matemática". O rapaz disse que também tinha muita dificuldade, e ela perguntou como, se ele trabalhava com números o dia todo. A resposta dele foi que trabalha, sim, com números, mas "informando os valores que constam no sistema, não preciso fazer contas".
Paguei minhas compras e saí, sem saber como continuou este diálogo, mas ele me fez pensar. Antes de mais nada, me lembrou de um trecho da peça "A Lição", de Eugene Ionesco:
Em um casal de amigos, a moça esforçava-se para somar de cabeça três ou quatro itens que havia pego, para saber se tinha dinheiro suficiente para pagá-los. Depois de algum tempo, desistiu, e comentou ao rapaz que estava com ela que "sempre teve dificuldades com matemática". O rapaz disse que também tinha muita dificuldade, e ela perguntou como, se ele trabalhava com números o dia todo. A resposta dele foi que trabalha, sim, com números, mas "informando os valores que constam no sistema, não preciso fazer contas".
Paguei minhas compras e saí, sem saber como continuou este diálogo, mas ele me fez pensar. Antes de mais nada, me lembrou de um trecho da peça "A Lição", de Eugene Ionesco:
PROFESSOR : Ouça-me, senhorita, se você não chegar a compreender profundamente esses princípios, esses arquétipos aritméticos, você jamais poderá fazer corretamente um trabalho politécnico. E muito menos poderão encarrega-la de um curso na Escola Politécnica... nem no maternal superior. Eu reconheço que não é fácil, é muito, muito abstrato... evidentemente... mas como a senhorita poderá chegar, antes de ter aprofundado os primeiros elementos, a calcular mentalmente quanto dá, e isso é o mínimo para um engenheiro médio, quanto dá, por exemplo, três bilhões, setecentos e cinqüenta e cinco milhões, novecentos e noventa e oito mil, duzentos e cinqüenta e um multiplicados por cinco bilhões, cento e sessenta e dois milhões, trezentos e três mil, quinhentos e oito?ALUNA (Muito depressa) Dá dezenove quintilhões, trezentos e noventa quatrilhões, dois trilhões, cento e quarenta e quatro bilhões, duzentos e dezenove milhões cento e sessenta e quatro mil,quinhentos e oito.
PROFESSOR (espantado) : Não. Creio que não. Dá dezenove quintilhões, trezentos e noventa quatrilhões, dois trilhões, cento e quarenta e quatro bilhões, duzentos e dezenove milhões cento e sessenta e quatro mil, quinhentos e oito.
ALUNA: Não, quinhentos e oito!
PROFESSOR (ainda mais espantado, calcula mentalmente) Sim, você tem razão. O produto é ... (murmurando) quintilhões, quatrilhões, trilhões, bilhões, milhões (distintamente) cento e sessenta e quatro mil quinhentos e oito. (estupefato) Mas como você acertou, se não sabe os princípios do raciocínio aritmético?
ALUNA : É simples. Não podendo confiar em meu raciocínio, eu decorei todos os resultados possíveis de todas as multiplicações possíveis!
A peça mostra uma situação absurda. Bem ao estilo de Ionesco. Mas absurda até que ponto? Não gostar de matemática é a regra das pessoas no Brasil, talvez no mundo todo.
Não deveria ser assim. Afinal, é algo que, queiramos ou não, está presente no nosso dia-a-dia, na natureza e em tudo que nos cerca. Pitágoras já demonstrou isto 500 anos antes de Cristo. O que leva as pessoas, 2500 anos depois, a continuarem com tanta aversão ao assunto?
Eu tenho a minha resposta. Pode não ser a certa, mas eu acho que explica, ao menos em parte. No próprio trecho da peça que eu citei acima, a minha resposta está presente, ainda que de maneira absurda: a aluna, sabando de suas dificuldades, decorou "todos os resultados possíveis de todas as multiplicações possíveis".
E, no fundo, é assim que aprendemos não só matemática, mas a maioria dos assuntos vistos na escola: decorando. Quem nunca passou horas de desespero tentando decorar as tabuadas para fazer alguma prova? Tudo bem, não vou dizer que ter decorado as tabuadas não tenha facilitado a vida. Mas, ao mesmo tempo, transforma as multiplicações e divisões em alguma coisa abstrata e misteriosa, e não simplesmente uma sequência de adições e subtrações.
Matemática exige raciocínio. E não apenas matemática. História e geografia, se ensinadas de modo coordenado, raciocinado, são mais fáceis de se compreender do que decorando-se fatos, datas e acidentes geográficos. Mesmo a língua, nativa ou estrangeira, seria mais fácil de ser ensinada se a razão de ser das regras gramaticais fosse aprendida, e não apenas as regras decoradas.
Só que raciocinar é uma atividade perigosa. As pessoas podem começar com a matemática, e gostar da coisa. E raciocinar sobre o mundo que as cerca. E sobre os absurdos que somos obrigados a ouvir e aceitar como "naturais" todos os dias. Pior, pode-se começar a pensar sobre coisas que estejam erradas na própria vida. E, pensando-se nelas, elas começam a incomodar cada vez mais, forçando alguma mudança de atitude. E esta mudança também não é nada fácil. Claro, depois das mudanças de atitude, é normal que se perceba como a vida melhorou, e como aquela atitude deveria ter sido tomada muito antes.
Eu mesmo, tenho passado por todo este processo, em fase de mudanças, tanto na vida pessoal como na profissional. Se eu disser que tudo é fácil e maravilhoso, claro que vou estar mentindo. Mas os aspectos positivos são cada vez mais facilmente perceptíveis.
Eu gosto de matemática. E gosto de pensar. E aprendi a pensar sobre mim mesmo. Agora, não quero parar.
Não deveria ser assim. Afinal, é algo que, queiramos ou não, está presente no nosso dia-a-dia, na natureza e em tudo que nos cerca. Pitágoras já demonstrou isto 500 anos antes de Cristo. O que leva as pessoas, 2500 anos depois, a continuarem com tanta aversão ao assunto?
Eu tenho a minha resposta. Pode não ser a certa, mas eu acho que explica, ao menos em parte. No próprio trecho da peça que eu citei acima, a minha resposta está presente, ainda que de maneira absurda: a aluna, sabando de suas dificuldades, decorou "todos os resultados possíveis de todas as multiplicações possíveis".
E, no fundo, é assim que aprendemos não só matemática, mas a maioria dos assuntos vistos na escola: decorando. Quem nunca passou horas de desespero tentando decorar as tabuadas para fazer alguma prova? Tudo bem, não vou dizer que ter decorado as tabuadas não tenha facilitado a vida. Mas, ao mesmo tempo, transforma as multiplicações e divisões em alguma coisa abstrata e misteriosa, e não simplesmente uma sequência de adições e subtrações.
Matemática exige raciocínio. E não apenas matemática. História e geografia, se ensinadas de modo coordenado, raciocinado, são mais fáceis de se compreender do que decorando-se fatos, datas e acidentes geográficos. Mesmo a língua, nativa ou estrangeira, seria mais fácil de ser ensinada se a razão de ser das regras gramaticais fosse aprendida, e não apenas as regras decoradas.
Só que raciocinar é uma atividade perigosa. As pessoas podem começar com a matemática, e gostar da coisa. E raciocinar sobre o mundo que as cerca. E sobre os absurdos que somos obrigados a ouvir e aceitar como "naturais" todos os dias. Pior, pode-se começar a pensar sobre coisas que estejam erradas na própria vida. E, pensando-se nelas, elas começam a incomodar cada vez mais, forçando alguma mudança de atitude. E esta mudança também não é nada fácil. Claro, depois das mudanças de atitude, é normal que se perceba como a vida melhorou, e como aquela atitude deveria ter sido tomada muito antes.
Eu mesmo, tenho passado por todo este processo, em fase de mudanças, tanto na vida pessoal como na profissional. Se eu disser que tudo é fácil e maravilhoso, claro que vou estar mentindo. Mas os aspectos positivos são cada vez mais facilmente perceptíveis.
Eu gosto de matemática. E gosto de pensar. E aprendi a pensar sobre mim mesmo. Agora, não quero parar.