terça-feira, 20 de março de 2012

Sobre a Folha de São Paulo e a automedicação

Enviei hoje o seguinte comentário ao blog "Conversa Afiada", do Paulo Henrique Amorim, que tenho acompanhado regularmente:


Hoje a Folha, através de um de seus colunistas, Hélio Schwartsman, publica um texto denominado “Viva a automedicação“, uma ode em defesa dos interesses da indústria farmacêutica ao mesmo tempo em que, de maneira quase sutil, critica algumas corajosas medidas tomadas pela ANVISA nos últimos anos. Cito abaixo algumas de suas pérolas:
“… Foi o que ocorreu com a automedicação, que, de uns anos para cá, se viu transformada em inimiga da saúde pública, inspirando uma série de decisões da Anvisa … Só o que não faz sentido é demonizar a automedicação… A OMS, por exemplo, a descreve como “necessária” e com função complementar a todo sistema de saúde.
De fato, a última coisa de que o SUS precisa é agregar às filas dos serviços médicos todos os portadores de quadros virais menores e dores de cabeça do país. A esmagadora maioria das moléstias que acometem a humanidade passa sozinha, não exigindo mais do que o alívio dos sintomas…”
Em paralelo, na seção “Mercado Aberto”, Maria Cristina Frias diz que “Sem tratamento, gasto com remédio pode subir 481%“.
Sou favorável às ações tomadas pela ANVISA no sentido de moralizar a venda de medicamentos no país, apoiada, também, pelo Conselho Federal de Farmácia, e consonante com o que se faz em muitos outros países. Claro, não resolvem os problemas da saúde pública. Mas são um primeiro passo no sentido da moralização do setor. Lamentável esta posição da Folha.

Não me preocupei em falar dos riscos da automedicação e do livre acesso aos medicamentos. Por limitação de espaço (e, mesmo assim, não sei se o comentário, por ser mais longo que o normalmente aceito, será publicado), e por considerar que não seria, aquele, o fórum adequado para tratar do assunto. Aqui, neste meu espaço, posso discorrer mais livremente a respeito.


Não citei, no comentário, trechos do artigo de Maria Cristina Frias. Cito-os aqui:

"Os gastos com remédios para tratar doenças crônicas acumuladas podem subir 481% se o paciente não fizer tratamento adequado.
O efeito, que pode impactar os resultados de planos e operadoras de saúde ...
A comparação é feita entre um doente crônico que possui apenas uma enfermidade e aquele que acumula outras pela falta de tratamento ...
'Esse é um assunto que o setor tem estudado muito, mas há pouca conclusão. A pressão sobre os planos de saúde de fato se reduz com o tratamento adequado. Isso gera queda em gastos com internação e entradas em pronto-socorro'..."


A conjunção dos dois artigos, para mim, demonstra uma lógica perigosa: devemos deixar as pessoas se automedicarem, o que vai diminuir as filas e custos com o SUS, ao mesmo tempo que diminui os custos dos planos de saúde. Apenas a "lógica de mercado", sem levar em conta, minimamente, a real questão de saúde pública. Sem levar em conta que o uso de medicamentos sem a adequada orientação pode causar problemas ainda piores do que os que se procura evitar. Sem sequer citar a necessidade de um amplo debate sobre o assunto, do qual pudesse sair clara e fortalecida a posição da ANVISA. Ou que, mesmo prevalecendo apenas a lógica do lucro para a indústria farmacêutica e para os planos de saúde, para nos restringirmos aos agentes diretamente citados nos artigos (Alguém acredita em repasse desses lucros à sociedade?), que ficasse claro que o desejo por esta lógica é realmente o desejo da sociedade.